Mas nem um queijinho?

Escrito por Kátia Aguilera em 07/09/2020

Mas nem um queijinho? 

Sim, nenhum queijinho, principalmente os de vaca!

É muito comum escutar da dificuldade que as pessoas têm de deixar de comer queijo e, de fato, nós entendemos isso. Sabe por quê? Porque tudo indica que o queijo vicia.

Estudos sugerem que a proteína caseína encontrada em produtos lácteos, principalmente no queijo por estar em maior concentração nele, pode fazer parte dos alimentos conhecidos como viciantes e que podem desencadear dependência. E não estamos falando de “dependência do paladar”, causada pela memória olfativa e gustativa que muitas vezes mandam e desmandam nos nossos hábitos alimentares, mas sim de um tipo de dependência física mesmo.
 
A caseína pode ter duas variantes, a beta caseína A1 e A2, porém quando a beta caseína A1 é hidrolisada no nosso sistema intestinal, surge a beta-casomorfina-7 (BCMs), que faz parte de um grupo de peptídeos com propriedades opióides. Os opióides já são nossos conhecidos usados farmacologicamente, como a Morfina, para uso analgésico em pacientes, porém no caso dos fármacos eles estão em altas concentrações em relação ao no queijo, claro. A questão aqui não é comparar as concentrações de um ou outro, é tomar conhecimento da existência desse derivado da morfina que, quando cai na corrente sanguínea, também chega até as regiões cerebrais relacionadas com dopamina e serotonina, hormônios conhecidos pela associação do prazer e do bem-estar.

Ah, mas qual o problema de comer um queijinho e sentir esse prazer? Hmmm aí que está!

A  Beta-casomorfina-7 (BCMs) está ligada a efeitos pró-inflamatório e alguns problemas gastrintestinais. Em algumas pessoas pode acontecer sintomas parecidos com a intolerância à lactose e em outras se tem o tempo de trânsito gastrointestinal alterado e eles ficam mais longos, ou seja, causa constipação. Inclusive, esse é um efeito adverso muito comum em pacientes que fazem algum tratamento com Morfina.
    
Outras frentes de estudo indicam que uma forma de minimizar os efeitos desses marcadores inflamatórios é fazer seleção genética do rebanho leiteiro evitando raças com genes mais predispostos a terem a mutação da beta caseína A1, que é a maior vilã entre as duas. Mas como o consumidor vai saber qual leite e de qual vaca está consumindo? A indústria de laticínios irá informar categoricamente sobre a origem do produto nas embalagens? Mesmo que a gente consiga comprar um leite “selecionado” sem a caseína A1, o leite e os derivados com a caseína A2 são realmente os mais seguros em relação a minha saúde e, também, seguros em outros aspectos? Bom, são muitas perguntas importantes em relação ao leite de origem animal que podemos abordar em outros posts.

O mais importante é ficar de olho nos estudos científicos sobre o tema para nos atualizarmos, principalmente naqueles estudos que não são patrocinados por alguma empresa leiteira, justamente para que não haja interferência de interesses. Informação é a chave para a conscientização e a quebra de paradigmas, pois nada é estático. 
Em paralelo a toda essa reflexão, o que está ao nosso alcance é que podemos fazer a qualquer momento outras escolhas, substituições que sejam saudáveis, conscientes e que podem ser igualmente prazerosas, não é mesmo?

Até a próxima, V de Vegancers. 



Bibliografia:

Duc Doan Nguyen, Stuart Keith Johnson, Francesco Busetti e Vicky Ann Solah. 2015. Formation and Degradation of Beta-casomorphins in Dairy Processing. Crit Rev Food Sci Nutr. V. 55(14), pp. 1955–1967.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25077377/

Kamiński, S., Cieślińska, A. e Kostyra E. 2007. Polymorphism of bovine beta-casein and its potential effect on human health. J. Appl. Genet. V. 3, pp. 189–198.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17666771/

Does milk cause constipation? A crossover dietary trial 2013
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3571647/

"Effects of Milk containing only A2 beta casein versus milk containing both A1 and A2 beta casein proteins on gastrointestinal physiology, symptoms of discomfort and cognitive behavior of people with self-reported intolerance to traditional cows' milk" 2016
https://nutritionj.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12937-016-0147-z
 


Por Kátia Aguilera
Estudante de medicina veterinária, vegana, entusiasta da causa animal e com espírito incansável no desejo para que todas as espécies sejam parte do círculo de compaixão das pessoas.