Veganos devem tomar a vacina contra o Covid-19?

Escrito por Kátia Aguilera em 20/01/2021

Existem várias iniciativas internacionais na corrida para a produção de vacinas contra a COVID-19, duas delas são as vacinas de origem Inglesa desenvolvidas pela Oxford-AstraZeneca e Pfizer-BioNTech, das quais se alega que não foram produzidas a partir de amostras biológicas e que não contêm nenhum ingrediente de origem animal humano ou não humano como já ocorreu em outras vacinas como as da gripe.

Ambas produções não envolveram o uso de ovos, lactose ou até mesmo de células hospedeiras de galinhas ou de humanos comumente usadas para replicação do vírus em laboratório a fim de se conseguir o princípio ativo das doses. Além disso, não fizeram uso de óleo de tubarão (óleo escaleno) como adjuvante potencializador de sua eficácia.

Foi utilizado uma biotecnologia a partir de células HEK-293 que atualmente são clones de células embrionárias de rim que tiveram sua origem em 1973 na Holanda e foram alteradas geneticamente para que pudessem ser reproduzidas em laboratório e amplamente utilizadas na comunidade científica até hoje. O que mostra ser possível o desuso de animais através da evolução de estudos e tecnologias até que ela se torne obsoleta, realidade que deixa qualquer vegano aguçado por mudanças, esperançoso e animado com um novo cenário. Entretanto, em algumas fases de desenvolvimento dessas vacinas foram utilizados testes em animais não humanos cobaias, já que é um requisito regulatório de qualquer vacina atualmente, infelizmente, e essa é uma triste realidade para eles e para nós.


Sabendo disso, automaticamente alguns poucos adeptos do veganismo entram num dilema quase que Shakespeariano: Vacina, tomar ou não tomar? Eis a questão!

 
A resposta para resolver esse dilema pode ser perturbadora para alguns, mas há motivos para que não se hesite e que se chegue a resposta de que, sim, deve-se tomar a vacina. 
Incomoda saber que, atualmente, as diretrizes dos órgãos regulamentadores obrigam os testes em animais? Sim, muito! Ainda mais por parecer que existe uma “liturgia” no cargo científico e biomédico para que eles se mantenham, já que existem estudos que comprovam a ineficácia deles, por se tratarem de espécies diferentes da humana. De acordo com Róber Bachinski, biólogo e pesquisador da Universidade Federal Fluminense - UFF, há evidências de que apenas 5% a 12% dos produtos que passam em testes em animais são aprovados em humanos, então temos de 88% a 95% de falhas. Com isso fica clara a problemática de alguns testes e que, com certeza, ainda há muito o que se esgotar nessas pesquisas para se encontrar métodos biotecnológicos alternativos ao uso de animais até que ele seja superado e, quem sabe num mundo não tão distante, se torne realmente obsoleto e que tenhamos vacinas sem o envolvimento de qualquer tipo de sofrimento animal.

Enquanto o caminho para uma vacina vegana ainda não ocorre, não quer dizer que uma pessoa que se declara vegana deva se opor a vacinação, primeiramente porque diante de um cenário caótico de pandemia mundial, a escolha pessoal, filosófica ou política não deve interferir, portanto, nesse caso, não cabe o boicote porque é a saúde coletiva que está em jogo e, em segundo lugar, o veganismo não prega isso, pelo contrário, ele encoraja todos a cuidarem da sua saúde a fim de continuar a sermos defensores eficazes do ativismo vegano em prol dos animais e assuntos relacionados.

Obviamente, ninguém está aqui para dizer que é razoável defender os testes em animais envolvidos na elaboração das vacinas ou em outro assunto pertinente, pois o sofrimento animal de qualquer tipo sempre será uma atitude lamentável e, por isso, os adeptos à causa animal estão sempre em busca de excluir, na medida do possível e praticável, todas as formas de exploração e crueldade contra os animais. Então, visto o cenário atual, tomar a vacina não vai tornar uma pessoa “menos vegana”, do mesmo jeito que essa atitude não a impede de continuar a contribuir na luta contra o sofrimento animal dentro e fora dos laboratórios.

De fato a vacinação no Brasil não será obrigatória e isso pode dar margem para que as pessoas optem por não fazê-la, mas essa decisão não deve ser tomada como se faz com a recusa, por exemplo, de algum produto cosmético, alimentício ou qualquer outro produto análogo que envolva animais que, quando são consumidos, geram uma demanda e fazem a engrenagem capitalista e exploradora dessas indústrias girarem. Vale ressaltar que esses produtos podem ser substituídos por outros, tornando o consumo limpo e consciente, ou talvez podem ser até mesmo excluídos ao uso pessoal, fato que já não ocorre com a vacina, pois não há escolhas de algum produto alternativo, e que decidir tomá-la deve ser encarada como uma atitude de responsabilidade social coletiva.

Em vários momentos da nossa sociedade a pressão popular teve papel importante para se conseguir mudanças. Nesse caso não seria diferente e é possível se engajar cada vez mais com informações de apelo popular, dar voz a parlamentares que possam garantir a discussão de mudanças em leis que beneficiem a causa animal, que incentivem o direcionamento de fundos para pesquisa à biotecnologias sem uso de animais para que cada vez mais caminhe rumo à quebra de paradigma que permeia a experimentação animal na área biomédica, os testes regulatórios e afins. É possível dar visibilidade a candidatos simpatizantes ou que já atuam no ativismo e que tenham um olhar crítico em relação à soberania alimentar e tragam à tona a discussão da sua necessidade, bem como a pauta interseccional e que não se faça cortes de lutas, tanto de libertação animal e humana, pois ambas são importantes e uma luta não exclui a outra. 

Por fim, fica a reflexão para todos que ainda sentem dúvidas do que fazer, repensem seus conceitos, instruam-se, vacinem-se, mantenham-se vivos e queiram tornar-se cada vez mais uma voz para falar pelos animais e poder dizer algo sobre uma nova visão de mundo, transmitindo assim suas mensagens, desde um ativismo gastronômico até mesmo um debate mais aprofundado sobre a interseccionalidade do veganismo como parte de processo de politização da vida diária e social.


Por Kátia Aguilera
Estudante de medicina veterinária, vegana, entusiasta da causa animal e com espírito incansável no desejo para que todas as espécies sejam parte do círculo de compaixão das pessoas.